O peso da felicidade no trabalho

A satisfação dos funcionários está se tornando tão relevante nas empresas que algumas já adotaram a função de chief happiness officer (CHO)

Artigo de Marcella Centofanti, publicado originalmente em Você RH

Muitas empresas ainda têm a crença de que a felicidade é a recompensa do resultado. Trabalhe duro e você terá sucesso. Na última década, no entanto, uma série de pesquisas têm mostrado que a ordem da equação é inversa. Se priorizarmos nossa saúde e bem-estar, teremos consequentemente um alto desempenho profissional. De acordo com um estudo da Gallup, empresas com funcionários felizes têm 50% menos acidentes laborais. Já uma pesquisa da Harvard Business Review revelou que colaboradores satisfeitos são 31% mais produtivos, 85% mais eficientes e 300% mais inovadores.

A felicidade no trabalho está se tornando tão relevante que algumas empresas têm criado uma função especificamente dedicada a isso. A missão de um diretor de felicidade, ou chief happiness officer (CHO), é garantir que os funcionários sejam felizes. O conceito surgiu na Dinamarca em 2003, quando a empresa Woohoo Partnership criou uma metodologia voltada para promover mudanças positivas e duradouras no ambiente corporativo.

Assim, nasceu a certificação em CHO, na qual o profissional é treinado para elaborar estratégias e ações que elevem a felicidade dos colaboradores, aumentando índices de produtividade e engajamento da equipe. Amazon, Google e Airbnb são algumas das organizações que instituíram o cargo de CHO no expediente. O primeiro trabalho formal que o príncipe Harry aceitou depois de deixar a família real também é algo nessa linha. Ele tornou-se chief impact officer, ou diretor de impacto, na BetterUp, uma startup do Vale do Silício, com o intuito de ajudar os clientes em seu desenvolvimento pessoal.

No Brasil, o conceito chegou há cerca de cinco anos, com motivos de sobra para ser levado a sério. Somos o país mais ansioso do mundo, segundo um estudo anterior à pandemia realizado em 24 países e publicado no prestigioso periódico científico PLoS One. Ocupamos o quinto lugar no ranking mundial da depressão, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o segundo em burnout, conforme uma pesquisa da International Stress Management Association (Isma-BR).

Apesar dos dados alarmantes até mesmo anteriores a 2020, o tema do bem-estar corporativo expandiu-se por aqui — e no mundo — com a chegada do novo coronavírus. “Antes da pandemia, a gente gastava muito mais tempo para convencer as empresas sobre a importância de falar sobre felicidade. Hoje, a demanda dos clientes é orgânica. A pandemia botou na mesa de uma maneira sem precedentes a questão da saúde mental.  Todo mundo está sofrendo, inclusive os CEOs, o RH e os membros dos boards. Caiu o tabu”, afirma Carla Furtado, diretora do Instituto Feliciência, pesquisadora e professora de pós-graduação de psicologia na PUC-RS.

O que é ser feliz no trabalho?

Quando se fala em felicidade no trabalho, muitas pessoas pensam em uma positividade tóxica ou algo utópico. Imaginam que o objetivo seja promover festas, colocar mesa de jogos na empresa e aumentar os benefícios para os funcionários. Não se trata disso. Ou melhor, não só disso. “A psicologia positiva mostra que, sim, a vida hedônica e de conquistas materiais é importante, mas insuficiente. A gente precisa de outro pilar, que é o significado, a autorrealização”, esclarece Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work, empresa especialista em felicidade corporativa que oferece certificação internacional de CHO.

A palavra propósito é essencial no conceito de felicidade. Paul Dolan, professor de ciências comportamentais na London School of Economics e no Imperial College de Londres, afirma que “felicidade são experiências de prazer e propósito ao longo do tempo”. Se for o conceito for aplicado às organizações, podemos entender que, sim, o bônus e o brinde são importante; mas os sensos de realização e de significado, também. Não basta ter um bom salário — é preciso gostar do que faz e se sentir desafiado no trabalho cotidianamente.

Amar a profissão não significa estar alegre o tempo todo. Qualquer emprego é repleto de tarefas e momentos que não necessariamente trazem prazer — muitos, inclusive, causam desgosto. No entanto, se no fim do dia a pessoa encontrar um motivo para dedicar tanto tempo àquela função, o aborrecimento de atividades desagradáveis ficará em segundo plano. E o propósito não precisa ser algo grandioso. Em suas reflexões sobre ética, o filósofo grego Aristóteles afirmava que a felicidade é o bem maior desejado pelo ser humano e que, para alcançá-la, é preciso praticar ações virtuosas. Na concepção do sábio, ser feliz e útil à comunidade são ideais que caminham juntos. A psicologia positiva bebeu nessa fonte para determinar que, quando um indivíduo coloca a serviço do mundo algo que sabe fazer e impacta uma pessoa que seja, bingo!, já tem um propósito para si.

A psicologia positiva é a base teórica dos cursos sobre gestão de felicidade. Ela levou para a academia temas que antes ficavam restritos à prateleira da autoajuda, como a gratidão. Pesquisas comprovam que, de fato, pessoas gratas têm mais longevidade e qualidade de vida. Em um estudo realizado com freiras da School Sisters of Notre Dame, nos Estados Unidos, pesquisadores analisaram os diários escritos pelas religiosas pouco antes de fazerem seus votos, entre os 19 e 21 anos, na maioria dos casos. As irmãs foram separadas em três grupos, de acordo com seus relatos: as mais otimistas, que eram gratas à vida, as neutras e as que olhavam o mundo com mais tristeza e ansiedade. Em uma análise longitudinal, 90% das freiras com visão positiva viveram até os 85 anos, ante 54% das negativas.

Este trecho faz parte de uma reportagem da edição 79 (abril/maio) de VOCÊ RH.