NEUROARQUITETURA: POR UMA ARQUITETURA DA FELICIDADE
Artigo de Ana Paula Guedes
“Sensibilidade à arquitetura tem também seus aspectos mais problemáticos. Se um único aposento é capaz de alterar o que sentimos, se a nossa felicidade pode depender da cor das paredes ou do formato de uma porta, o que acontecerá conosco na maioria dos lugares que somos forçados a olhar e habitar?” (BOTTON, Alain de. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007).
Segundo o escritor e filósofo suíço Alain de Botton “todo estilo arquitetônico fala de uma compreensão de felicidade.” Em seu livro “A Arquitetura da Felicidade”, ele analisa como o estilo e a aparência de cada construção e os objetos que a preenchem afetam a sensibilidade, o humor e até mesmo a personalidade dos humanos. Para ele, muito sobre o estado de espírito de alguém é dito pelo ambiente que o cerca. Em outras palavras, as pessoas são influenciadas de forma profunda e decisiva pela arquitetura à sua volta, seja a do lar, a do trabalho ou a das ruas. Alain de Botton sugere que a arquitetura é capaz de modificar nossas vidas afetivas ou profissionais influenciando o modo de ser e de sentir de cada um. Para ele, o que procuramos numa obra arquitetônica não está distante daquilo que buscamos em um amigo – e nossos amigos como nossas casas são por nós escolhidos porque nos fazem felizes.
Passamos a maior parte de nossas vidas em ambientes construídos, porém a qualidade de vida urbana e o bem-estar psicológico dos habitantes são muitas vezes negligenciados. Isso nos levou ao atual ambiente construído: nossas cidades, nossas moradias, todos os espaços que vivenciamos, sem uma investigação adequada sobre como isso afeta a saúde mental e o bem-estar humano.
Enquanto em um ambiente natural, as atividades cerebrais são mais desembaraçadas e meditativas, em um ambiente construído, o cérebro humano apresenta níveis mais altos de estresse. No entanto, o mecanismo pelo qual o ambiente construído impacta o cérebro ainda não foi completamente investigado. Atualmente, são muitas as lacunas identificadas que poderão ajudar a moldar o futuro em direção a um ambiente construído restaurador com conhecimento sobre a mente humana para maximizar os benefícios, o bem-estar do usuário e por que não a felicidade?
Pense em quantas vezes, ao conhecer um novo ambiente, você teve uma sensação boa ou ruim quanto ao local e como isso foi determinante para a imagem que você levou desse lugar? Consciente ou inconscientemente, essa “primeira impressão” transmite sensações e emoções do espaço físico para quem o experencia, determinando comportamentos e reações referentes à essa relação ser humano x ambiente construído.
Temos uma resposta automática (não consciente) a formas, padrões e cores. Nossas mentes são como icebergs – estamos cientes apenas de cerca de 5% de nossas respostas ao ambiente.
Como ambientes podem provocar sensações nos indivíduos?
À medida que adentramos em determinados lugares, nosso cérebro funciona exaustivamente, não apenas dimensiona o lugar ou observa suas cores, forma e textura, mas um conjunto de sensações e sentimentos são despertados.
Nas últimas décadas, o rápido crescimento das metodologias funcionais de imageamento cerebral permitiu que a neurociência cognitiva abordasse questões abertas na filosofia e nas ciências sociais. (Papale et al.,2016).
Ao mesmo tempo, novos insights da pesquisa em neurociência cognitiva começaram a influenciar várias disciplinas, levando a uma mudança para a cognição e a emoção nos campos do planejamento e do projeto arquitetônico.
Na arquitetura, a nova consciência da complexidade dos processos cognitivos e emocionais envolvidos no nosso dia a dia em ambientes construídos cresceu rapidamente. Tal interesse também levou à fundação da Academy of Neuroscience for Architecture – ANFA (Academia de Neurociência para Arquitetura) em 2003, em San Diego. Desde então, várias contribuições importantes surgiram de ambos os campos.
Embora tenha ganhado muita notoriedade, acredito ser pertinente compartilhar algumas definições do termo neuroarquitetura.
Primeiramente, é importante ressaltar que neuroarquitetura é a denominação popular para neurociência aplicada à arquitetura.
Neuroarquitetura pode ser definida como um ambiente construído projetado com princípios da neurociência, estimulando a memória, melhorando habilidades cognitivas, evitando o estresse e/ou estimulando o cérebro. O estudo do cérebro humano ou neurociência, busca dar significado ou uma compreensão da maneira como interpretamos, armazenamos e recebemos as informações coletadas através de nossos sentidos. Neuroarquitetura como processo, aborda uma oportunidade, uma reação e um resultado projetado, fornecendo as respostas de porquê reagimos a certas condições e espaços. (Arellano, 2015). Em seu artigo para a American Society of Landscape Architects – ASLA (Sociedade Americana de Arquitetos Paisagistas), Jared Green aborda a pesquisa de Justin Hollander, de junho de 2021, sugerindo que “somos profundamente influenciados pelo nosso entorno” – muito mais do que sabemos.
As pessoas que vivem em cidades densas estão entre as menos felizes. Suas taxas de depressão são 40% mais altas do que outras populações; e suas taxas de ansiedade são 20% mais altas. Por quê? Porque o ambiente construído está diretamente ligado à felicidade e ao bem-estar, e muitas vezes os ambientes urbanos não conseguem deixar as pessoas à vontade.
Justin Hollander, professor de planejamento e política urbana e ambiental da Tufts University, afirma que arquitetos, designers e paisagistas têm a responsabilidade de projetar ambientes construídos que aumentem o bem-estar.
Dado que a natureza é nosso contexto original, os humanos também têm uma biofilia inata – uma profunda atração e afinidade pela natureza. “É um artefato da evolução.” Megan Oliver, urbanista e fundadora da Hello Happy Design, disse que há uma “crise de saúde mental” nos EUA, particularmente nas cidades americanas. As pessoas estão constantemente respondendo ao ambiente construído e, por sua vez, tentando moldá-lo para reduzir o impacto dos estressores ambientais, como vidros opacos ou fachadas de concreto, multidões, ruído e poluição do ar. Esses estressores se combinam para deixar as pessoas ansiosas, doentes e infelizes.
Em contraste, lugares felizes são projetados para incentivar o comportamento prósocial. Isso ocorre porque “as pessoas precisam de conexões sociais para prosperar”. Lugares felizes ajudam a criar camadas de relações sociais, vão além de “lugares que habitamos e tornam-se extensões de nós mesmos”. Esses lugares nos permitem “vincular com o ambiente ao nosso redor”, privilegiam conexões humanas.
Promovem saúde, bem-estar e felicidade.
Seria a Neuroarquitetura, a Arquitetura da Felicidade?
ANA PAULA GUEDES é Arquiteta e Urbanista em seu escritório Naobra Arquitetura. Especialista em Neurociência “Lato Sensu”. Especialista em Marketing e Comunicação “Lato Sensu”. Especialista em Projetos para Ambientes Corporativos pela instituição alemã Mensch&Büro Akademie. Idealizadora e Coordenadora do GnarqBrasil – Grupo Científico de Neurociência e Arquitetura do Brasil. Cofundadora do Ibnarq – Instituto Brasileiro de Neurociência para Arquitetura. Docente em Neurociência Aplicada à Arquitetura no IEC PUC Minas. Professora do curso de pós-graduação em Neuroarquitetura na Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Neurons Inc Latam Reseller. Escritora. Palestrante. Pioneira em Neuroarquitetura em Minas Gerais. Coautora do livro “Neuroarquitetura a Neurociência no Ambiente Construído.” Membro da Academy of Neuroscience for Architecture – ANFA.