DAS CIDADES VERDES ÀS CIDADES FELIZES
Quanto penso em Happy Cities, gosto de dialogar com as ideias de 2 autores de referência: Montgomery e De Neve.
Em 2013, Montgomery escreveu um dos principais livros sobre o tema e argumentou algo que eu concordo substancialmente. A organização da cidade influencia bastante o desenvolvimento (ou não) das pessoas. Aqui, o autor explora bastante bem a questão filosófica da amizade e diz que a cidade deve ter espaços para a vivência dessa conexão social.
Este autor é claramente aristotélico. E ainda bem!
A questão ganha mais pertinência quando relacionamos a filosofia com a estatística: por exemplo, nos EUA, em cada cidadão, a média de amigos reduziu de 3 para 1.
Há Estudos muito interessantes sobre a temática da conexão social nas cidades. Alguns concluíram que os espaços comuns poderiam tornar as pessoas mais afetivas. Outros exploraram a ocitocina e a sua relação com a confiança. (Zak, 2012)
A receita de Montgomery para uma cidade feliz parece ser: promover alegria, saúde, liberdade, resiliência, equidade e conexões sociais. Logo, podemos dizer que o mais importante são as experiências e não os bens materiais.
A educação dos jovens deve percorrer este caminho. Só assim teremos um futuro melhor.
No entanto, há algo em que me afasto um pouco de Montgomery: penso que é necessário ir mais além do que a cidade verde. Focar só no ambiente não é suficiente para construir uma cidade feliz. O capítulo 2 é o que mais gosto, pois considera a cidade como um projeto de felicidade. Mas é aí que considero ser fundamental repensar a ideia de “necessidades pessoais/sociais felicitárias”. Urge fazer um trabalho sistemático que identifique, coerentemente, a relação entre a teoria (o que se considera importante) e a prática (o modo como se realiza). É aí que vão entrar os projetos de vida das pessoas – questão essencial!
Aqui poderíamos entrar por questões políticas, por exemplo. As soluções têm sido poucas nessa área. Metaforicamente, o grande dilema do autarca hoje é: construir em grande prédio ou uma praça pública? Talvez por isso faça todo o sentido na atualidade a figura do “Ativista pela felicidade”.
Uma ideia forte de Montgomery é que os autarcas hoje já têm disponível conhecimento suficiente sobre o tema da felicidade, que lhes poderia permitir a construção, progressiva, de uma cidade cada vez mais feliz.
Outra ideia interessante é o modo como as pessoas gerem a sua vida na cidade. Por exemplo, a maioria das pessoas prefere uma vivenda a 1 hora da cidade (onde trabalham), do que um T0 perto do local de trabalho. Consequências? Muitas! Pensemos apenas nos elevados índices de cansaço e despesa, devido ao excesso de trânsito e ao tempo gasto nas viagens. E já agora, no elevado índice de mortalidade na estrada. No aumento do nº de divórcios…
O trânsito diminui a produtividade, a saúde e a felicidade.
O tema das cidades felizes é mais sério do que parece. E se pensarmos bem, facilmente chegamos à conclusão que as economias mais promissoras do século XX deram origem a cidades bastantes infelizes. Exemplo? Miami.
Para além da cidade, que é muito grande, há a questão, igualmente essencial, de saber se as pessoas são felizes na sua freguesia, no seu bairro, na sua rua…
Deixo aqui um paradoxo filosófico (que faz ainda mais sentido para Lisboa): nunca tivemos tanta riqueza nas cidades, mas, ao mesmo tempo, nunca tivemos tanta infelicidade.
De Neve é o principal responsável por haver hoje (2020) um Ranking Mundial de Cidades Felizes. Lisboa está em 101º. Nos próximos tempos, teremos de analisar bem esta situação e ver em que é possível melhorar.
Concordemos ou não com o modelo de De Neve, o importante é que agora já existe um com “validade” e reconhecimento internacionais. Durante muitos anos, não tivemos um barómetro, para avaliar as (poucas) promessas políticas de cidades felizes. Agora já temos!
Mas isso não significa que tenhamos uma receita standard para todas as cidades. Continua a ser essencial fazer um diagnóstico a cada cidade e depois aplicar aplicar, especificamente, soluções inovadoras.
Autor: Jorge Humberto Dias
(Doutoramento Europeu em Filosofia Moral e Política pela Universidade NOVA de Lisboa e pela Universidad de Sevilla)
Referências: Dias, J. (2020). “Das cidades verdes às cidades felizes”. IN Perspetivas sobre a felicidade. Contributos para Portugal no WHR (ONU).