A Engenharia do Sofrimento
A analogia está em dizer que tudo pode ser suportável e não causar “a morte”, se for vivido, ou experimentado por um tempo determinado e com a “atitude” ou a “engenharia” correta!
Por alguns anos trabalhei como engenheira de desenvolvimento de produto da indústria automobilística focada em peças de “restraints” (proteção passiva de ocupantes) como volantes e airbags. Com o tempo, baseado no conhecimento adquirido, tive a oportunidade de desenvolver competências na área de segurança veicular, onde todo esforço era fazer com que o ocupante de um veículo automobilístico, quando envolvido em uma colisão, não somente sobrevivesse, mas tivesse como sair do “evento de sofrimento” caminhando, em outras palavras, que as lesões não comprometessem órgãos vitais que levassem ao óbito ou causassem sequelas como uma paralisia permanente.
Claro que falo tudo isso de uma forma bastante superficial e simplificada, mas basicamente é isso o que os engenheiros de Segurança Veicular e Restraints fazem.
Ainda de forma superficial, existem várias normas e, a maioria delas, pontua a desaceleração máxima (quantidade de energia) que um órgão (cabeça, peito, pernas, etc) pode suportar em um determinado tempo e, sim, é possível equalizar e controlar para que toda essa transferência de energia aconteça da melhor forma durante um “trauma” ou um evento ou uma colisão veicular.
Considerando as limitações entre as ciências exatas e humanas, com esta introdução eu tento fazer uma analogia, entre o sofrimento humano psíquico e um trauma no corpo humano causado por uma colisão veicular. A analogia está em dizer que tudo pode ser suportável e não causar “a morte”, se for vivido, ou experimentado por um tempo determinado e com a “atitude” ou a “engenharia” correta! A analogia serve também para afirmar que, se o trauma for intenso e experimentado por um longo período as consequências na psique ou no corpo humano podem ser severas e devastadoras podendo, até mesmo, significar a morte.
Por conta da minha personalidade, estado de ser e cosmovisão, focarei minha reflexão na “engenharia correta”, onde a experiência do trauma ou do sofrimento promove transformação, crescimento, mudança de comportamento, entendimento, e que pode, inclusive, no final do dia, fomentar sentimentos como gratidão, felicidade e propósito de vida.
Tendo dito isso, continuo o desenvolvimento de minhas ideias afirmando que sofrimento humano não é ruim necessariamente. O sofrimento precisa ser vivido e não deve ser temido! O romancista Marcel Proust afirma que “nos curamos de um sofrimento qualquer somente depois de o haver suportado até ao fim” o que pode significar que o sofrimento pode ser pedagógico e edificante!
Como diz o nosso querido Carlos Drummond de Andrade, “a educação para o sofrimento evitaria senti-lo com relação a casos que não o merecem”! Isso é extraordinário considerando que vivemos em um mundo onde as pessoas não toleram frustrações e onde os índices de suicídio aumentam endemicamente (*). Ele continua nos ensinando sabiamente dizendo que “a felicidade é um estado de espírito transitório por natureza, onde temos momentos de plenitude, divinos, celestiais, mas, ao lado disso, vivemos a rotina, a dor de barriga, a dor de dente e a conta por pagar”.
Em resumo, Drummond diz que a felicidade acontece em meio ao sofrimento diário da vida e eu aprecio muito esta ideia, pois acredito que pessoas felizes normalmente se relacionam com o mundo e com suas dificuldades de forma mais esperançosa, positiva e altruísta.
Luciana Seluque